sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Banho de realidade:


Creio que sou um cara de sorte. Comecei a trabalhar alguns meses depois de completar 10 anos de idade e vim a ter meu primeiro registro na “carteira” com 16 anos. Trabalhei para diferentes empresas até agosto de 1991, quando tornei-me um pequeno empresário. Portanto, dependi do salário mensal por mais de vinte anos de minha vida. A sorte a que me refiro é pelo fato de nesse tempo todo nunca ter sofrido o drama da falta de pagamento do salário. Vou mais longe: tampouco me lembro de atrasos, pelo menos nada significativo. Como empresário, confesso que tive meus problemas, mas as pessoas que trabalhavam para mim jamais foram prejudicadas, jamais deixaram de receber o que tinham direito no dia certo.
Salário é sagrado.
Seu valor é irrelevante. Muito ou pouco não vem ao caso, quem trabalha depende dele para viver.
Inclusive os jogadores de futebol, todos eles pessoas com vidas, famílias e compromissos como todo mundo.
Nesse momento, é bom repetir e relembrar: direito de imagem é salário. Luvas parceladas são, também, salário. Tudo é salário e nada pode ser atrasado.

O futebol brasileiro vive em meio a paradoxos. Embora produza muitos dos melhores jogadores do mundo, vemos jogos feios, sofríveis, chatos ao extremo pela péssima qualidade do futebol apresentado.
Outro paradoxo: estamos hoje numa maré de euforia econômica. Todo mundo falando da importação de jogadores dos países vizinhos, muitas torcidas comemorando o retorno de regiamente pagos jogadores que estavam por terras d’Europa e Ásia, alguns clubes começando a chamar a atenção dos analistas da Deloitte e, não demora nada, veremos alguns nas listagens dos “mais ricos” do mundo. Apesar de tanta riqueza exaltada, temos visto inúmeras matérias nas últimas semanas sobre…
Atrasos de salários.
Ora, como é isso possível em meio a tanta riqueza e euforia?
Bom, dois motivos básicos: primeiro, nossos clubes têm mesmo recebido razoável injeção financeira, mas ela é mais contábil que real, vai engordar números nos balanços, mas não vai pôr dindin nos cofres. Porque muita receita futura já foi antecipada e porque muita despesa maluca do passado tem que ser paga agora.
Segundo, boa parte dos dirigentes teima em gastar, gastar, gastar. Poupar é besteira e pagar compromissos correntes só em caso de absoluta necessidade. Fortaleceu-se a moda de “segurar os talentos”. É bonito, rende ótimas manchetes, torcedores sorriem e dão tapinhas nas costas dos dirigentes, a maioria dos jornalistas elogia e enaltece a firmeza, a coragem, a visão, entre outras coisas, do sorridente e feliz cartola.
Nessa história eu costumo ser o chato de plantão. Sou favorável à venda pura e simples dos direitos federativos de jogadores em destaque. Nos últimos anos abri uma exceção, e mesmo nesse caso já andei repensando: Neymar. E, com isso, vejo-me pensando como pensa o ex-presidente do Corinthians, Andrés Sanches, que há poucos dias disse que, se fosse ele o presidente do Santos, já teria negociado a transferência de Neymar.
Praticamente todos os clubes precisam de dinheiro, mas, mesmo assim, incham seus elencos, pagam, ou assim prometem, salários altíssimos para jogadores que dificilmente darão retorno em nível semelhante. Ao pagar alto para um, levam a turminha de baixo, os famosos “carregadores de piano”, a pleitear mais uma quirera aqui, uma quirerinha acolá e assim, de quirera em quirerinha, a folha vai para a estratosfera.
Ora, que conversa mais chata essa! – já tem leitor reclamando. Paciência, vai ficar pior.
Com o craque ou craques no time, tá na cara que vamos ser campeões disso e daquilo e o que vamos ganhar com os títulos e com a grana do marketing e com não sei o quê mais, vai compensar. Qualquer cego enxerga isso! – gritam outros torcedores enfurecidos nos comentários.
Alguns títulos vêm, realmente. Mas não tem tanto título assim em jogo e cada um deles tem um monte de gente na disputa, todos com o mesmo objetivo: conquistar para ganhar dinheiro.
Hoje, em todo o planeta, a única competição que realmente paga bem não só ao campeão, mas a todos os participantes, é a UEFA Champions League. Como, pelo que sei, nenhum clube brasileiro a disputa, fico com a impressão que a rapaziada das salas com ar condicionado lê os valores que a UEFA distribui e imagina-se recebendo o mesmo da CONMEBOL, da CBF, da federação estadual…
Triste engano.
Basta dar uma lida no post sobre o quanto ganha um clube para participar da Copa do Brasil para cair na real.
Os cartolas sonham com patrocínios de milhões, mas esquecem de conferir se o mercado está disposto a tanto. E já adianto: não está.
Enquanto isso, a melhor, mais imediata e lucrativa fonte de receitas para um clube de futebol continua esquecida: a receita das bilheterias.
Por tudo isso e muito mais, lemos que Bernardo foi à justiça contra o Vasco. Que Deivid foi à justiça contra o Flamengo, assim como Alex Silva. No Cruzeiro os jogadores protestaram por escrito contra uma gracinha sem graça do presidente – do presidente, vejam só! – do clube, ironizando o atraso dos pagamentos. No já citado Vasco, os jogadores deixaram de concentrar-se em protesto (estou certo que o financeiro do clube deve ter ficado muito feliz, já que concentração é sinônimo de despesas).
Quando as coisas esquentam, corre-se daqui e dali, pra lá e pra cá, o dinheiro surge, geralmente a um custo futuro muito alto, dívidas são quitadas no todo ou em parte e a vida segue.
Infelizmente, os torcedores já brigaram com os ídolos, o encanto foi quebrado e nem sempre é reatado como manda o figurino. Muito desgaste já ocorreu, o que acaba gerando efeitos futuros, nem sempre, é verdade, mas em muitos casos.
Para concluir: estamos apenas em meados de fevereiro, a poucas horas do início do Carnaval, e já tivemos várias situações desse tipo por todo o país. Há uma explicação lógica – mais uma – para isso: o primeiro trimestre do ano é o mais complicado para os gestores financeiros. As receitas são fracas e em parte ausentes e as despesas são altas. O pouco dinheiro qua havia em caixa, quando havia, foi embora a bordo do 13º e das férias. O novo ano começa com o caixa abaixo de zero em todos os clubes brasileiros, inclusive naqueles que têm fama de serem bem administrados. É o tempo de correr atrás dos bancos (só os de segunda linha, com seus juros altíssimos) e de novos adiantamentos de receitas futuras.
Passada a bonança e o espírito alegre das festas de fim-de-ano, a realidade bate à porta com a sua habitual cara feia, dizendo que é hora do banho.
Do blog Olhar Crônico Esportivo

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